03 novembro 2010

Compaixão ou O Monge e a Mulher Morta

Certa vez, um monge comum, cansado da vida na capital, fez votos de fazer cem peregrinações, idas e volta (uma a cada dia), de Kioto até o santuário de Hie.

Ao regressar no octogésimo dia, passou por uma jovem que chorava muito, a ponto de dar a impressão que seu coração arrebentaria, Tão intensa  dor o induziu a perguntar-lhe o motivo.
"Não, não vejo que o senhor é um peregrino!" ela gritou. "não posso dizer, realmente não posso!"
Ele insistiu com tanta bondade, que ela revelou afinal : "Minha mãe esteve muito tempo doente, e faleceu esta manhã. Isso já é motivo de grande pesar, mas o pior de tudo é que não sei o que fazer com o seu corpo. Sou viúva e não tenho ninguém a quem pedir ajuda e sendo mulher, não sou forte para manejá-la sozinha. Meus vizinhos dizem que sentem muito, mas estão tão ocupados  com os festivais para os deuses, que tenho certeza de que , por medo de contaminação, nada farão, não sei a quem recorrer!" E caiu novamente no choro.


O monge entendeu o problema e ficou muito comovido, a ponto de marejarem lágrimas de seus olhos. Ele sabia que os deuses descem a este muito esfumaçado, pardacento, somente porque se compadecem dos homens e, em vista disso, não achava justo simplesmente ignorar a triste situação daquela mulher. "Nunca pratiquei boas ações" refletiu. "Dignai-vos, oh Buda, volver a mim vosso olhar! Deuses, eu vos peço perdão!"  E dirigiu-se à jovem, dizendo: "não fique  mais triste. Farei por você o melhor que eu puder, Deveríamos entrar para evitar que as pessoas fiquem comentando" Em meio as lágrimas, ela sorriu, concordando.

Na escuridão da noite transportaram o corpo. Tendo realizado a boa ação, o monge não conseguia dormir, pois pensava nos oitenta dias de peregrinação que interrompera, Entretanto, ele nunca pensara obter nada de especial com os cem dias de peregrinação e achou que poderia voltar ao santuário e saber o que o deus pensava disso. Na manhã seguinte, lavou-se para se purificar e marchou para o santuário. Durante todo o trajeto seu coração batia descompassado porque ele tinha medo.

Uma multidão diante do santuário ouvia os oráculos enviados pelo deus. O monge não ousou aproximar-se, pois estava contaminado pelo contato com a morte, e rezou afastado. Estava satisfeito por ter vindo e não ter perdido um dia.

A médium localizou-o quando partia e o chamou: "Você, monge, venha até aqui"
Foi um choque para ele, mas, como não tinha como meio de escapar, obedeceu. Tremia sob o olhar suspicaz de toda a turba.
A médium fê-lo aproximar-se. "Eu vi o que você fez ontem "a noite" - ela cochichou.
Ele ficou de cabelo em pé arrepiado . Pensou que ia desmaiar.
"Não tenha medo" - ela disse. "Achei maravilhoso! Saiba que na verdade não sou apenas um deus. Foi a compaixão que me trouxe aqui. Eu quero que as pessoas acreditem no Ensinamento. Os tabus são apenas um meio de começar a entendê-lo e qualquer pessoa esclarecida sabe que é assim. Mas não fale disso a ninguém . As pessoas são muito ignorantes. Elas não compreenderão que você agiu levado por uma profunda compaixão e pensarão que elas também poderão quebrar os tabus quando bem lhes entenderem, o que as deixará confusas e acarretará a perda da pouca fé que têm. Realmente, não são as regras que contam, mas as pessoas"

O monge chorou, de tão comovido e desde então passou a agir movido por atos especiais de bondade

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